TRANSPORTE COLETIVO: DESCONSTRUINDO “MITOS ELEITORAIS”


Fernando Borges de Moraes


O transporte coletivo urbano sempre foi um dos principais temas de campanhas políticas em geral, notadamente das campanhas para eleições municipais. Muitas das questões se repetem, todavia nem sempre com a apresentação de propostas que realmente venham ao encontro dos anseios dos cidadãos e das demandas do setor. 


Sem exceção, em todos os municípios brasileiros, todos concordam que o transporte coletivo apresenta carências que demandam políticas públicas importantes. O transporte coletivo deve ser priorizado.


Todavia, há muito desconhecimento acerca do tema, no que resulta em muito marketing e pouca consistência técnica. Destacamos novamente alguns tópicos importantes para uma melhor compreensão da questão a partir da desconstrução de alguns mitos:


1) “O ônibus é meio de transporte obsoleto”: mito. O ônibus ainda é uma forma moderna e eficiente de se transportar pessoas. O que muitas vezes observamos é a obsolescência da gestão do sistema de transporte. Segundo o engenheiro de transporte Flávio Caldasso, em artigo publicado na revista “AutoBus”, edição 251, ônibus é, dentro do conceito de mobilidade, o que mais se aproxima dos deslocamentos a pé ou de bicicleta, pois chega onde nenhum outro modal alcança. Os investimentos na implantação de um sistema de ônibus são muito inferiores aos investimentos necessários para o metrô, por exemplo, sendo que o sistema “BRT” (“Bus Rapid Transit”) pode ser tão eficiente quanto. Capitais importantes do mundo como Londres, Nova Iorque e Paris tem sistemas de metrô eficientes, mas mesmo assim não abriram mão do ônibus dada sua praticidade e baixo custo relativo. 



2) “O modal aquaviário é a solução para os problemas de mobilidade em cidades litorâneas ou servidas por rios”: falso. Em geral, salvo cidades muito peculiares como Amsterdã ou Veneza, que são servidas por uma capilaridade hidroviária muito grande, o modal aquaviário, para funcionar, depende de se diagnosticar seu impacto a partir de pesquisas “origem/destino” e depende de grandes terminais que venham a funcionar como “hubs” a partir dos quais os passageiros terão que se valer de outros modais, notadamente o ônibus, para chegar ao seu destino final. 


3) “O transporte coletivo é de responsabilidade somente das empresas de ônibus”: falso. A responsabilidade é compartilhada com o poder público e sofre influência de políticas governamentais de todas as esferas conforme prevê a Lei Federal n. 12.587/2012 (Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana). Para compreender bem isso basta observar que houve no Brasil, no passado, um incremento do crédito para a aquisição de veículos “de passeio”, com juros relativamente baixos e redução de “IPI” (Imposto sobre Produtos Industrializados) a fim de funcionar como incentivo às montadoras de veículos, o que resultou em um volume de vendas de veículos sem precedentes na história. Todavia, as grandes cidades não estavam preparadas para isso, o que resultou em graves problemas de mobilidade urbana. 


Essa expansão do crédito foi uma política pública de âmbito federal, mas com graves influências no âmbito local. Ora, a política econômica nacional não pode esquecer das realidades locais. Incentivar a compra de automóveis para transporte individual sem uma correspondente atenção para a necessária alocação de recursos para a infraestrutura de mobilidade urbana foi um grave erro que muito ainda vai penalizar os cidadãos das metrópoles. E isso é agravado pelo fato da necessidade de que as cidades possuam estruturas de gestão técnica que garantam a continuidade dos projetos de mobilidade urbana e o respeito ao Plano de Mobilidade Urbana aprovado por lei, com rígida fiscalização urbanística a fim de que se preserve o planejado. 


4) “O custo da tarifa é a maior preocupação do usuário do serviço de transporte coletivo urbano”: mito. O cidadão deseja eficiência. Segundo pesquisas realizadas pela “Associação Nacional de Empresas de Transporte Urbano” (“NTU”), o preço da tarifa sequer aparece entre as prioridades para o usuário do serviço. Antes disso, o cidadão se preocupa com pontualidade, regularidade, segurança pessoal, qualidade dos ônibus e qualidade das vias públicas, paradas e terminais. Já é consenso entre os técnicos da área que o aporte de recursos públicos complementares à tarifa paga pelo usuário é fundamental para viabilizar o transporte coletivo com qualidade, já que o custo desse serviço essencial não pode pesar apenas no bolso do trabalhador ou do empresário que adquire o vale-transporte para seus empregados.


5) “Ônibus é meio de transporte usado somente por pessoas muito carentes”: falso. Como dito acima, capitais importantes de países mais desenvolvidos usam o ônibus e é comum encontrar usuários de todas as classes sociais nesse modal. No entanto, no Brasil ainda há preconceito com o ônibus, o que decorre fundamentalmente da baixa prioridade que é dada ao modal pelo poder público, levando à marginalização do sistema público de transporte. Muitas vezes as paradas de ônibus sequer são identificadas e iluminadas e falta abrigo para os passageiros se protegerem das intempéries. Por que não dar preferência efetiva ao ônibus em todas as vias pelas quais ele passa, com semáforos inteligentes nos cruzamentos? Por que a pavimentação das ruas não suporta o peso dos ônibus, gerando buracos e solavancos? Por que os terminais de ônibus não podem ser áreas de circulação agradável, com oferecimento de banheiros limpos, salas de espera com prestação de serviços públicos e privados? 


Em conclusão, considerando que a qualidade do transporte público é uma questão de cidadania, sendo que o transporte é “direito social” na forma do artigo 6º da Constituição Federal, assim como a saúde, a educação e a segurança, somente a união de forças, a partir de sólido conhecimento técnico da área, com continuidade administrativa na gestão pública, pode viabilizar um transporte coletivo cada vez melhor, mais humano e mais eficiente. 


*Fernando Borges de Moraes é advogado, pós-graduado em direito, assessor jurídico do Sinetram – Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Amazonas, Conselheiro da OAB/AM e Vice-Presidente de Comissão Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil.